Cidades Salvador

Refugiados cubanos contam com solidariedade e iguaria baiana para sobreviver na pandemia

Em busca de uma vida melhor, um casal decidiu deixar Cuba clandestinamente e imigrar para o Brasil.

Por G7Bahia

31/08/2020 às 09:55:23 - Atualizado há
Arquivo Pessoal

Os cubanos Patrícia Girbau, 32, e Fernando Martinez, 38, contam os dias para poderem trazer a filha e reunir a família novamente. Maria Fernanda, de 10 anos, ficou com os avós maternos em Cuba, enquanto Patrícia, Fernando e o filho mais novo, Daniel de 8 anos, tentam recomeçar a vida no Brasil.

Em busca de uma vida melhor, o casal decidiu deixar Cuba clandestinamente e imigrar para o Brasil, numa viagem que durou quase um mês e levou praticamente a reserva de US$ 7 mil resultante da venda da casa própria, pouco antes da partida.

Hoje, eles moram em Salvador, capital baiana. Assim que chegaram ao Brasil deram entrada na papelada para obter a condição de refugiados — só assim, podem solicitar a vinda da filha. "Em novembro deste ano, vai fazer um ano que estamos aqui. Temos que esperar um outro ano mais, para entrar no processo para que ela possa vir, sem que tenhamos que ir para lá", conta Patrícia, esperançosa. No momento, o processo ainda está tramitando e eles aguardam o resultado.


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A dona de um dos imóveis que eles tentaram alugar ficou comovida com a história da família de refugiados. Dona Cica, como é chamada pelos dois, decidiu acolher a família sem fazer muitas perguntas.?

Mesmo com a resistência do casal, ela não tem cobrado o valor do aluguel, cabendo aos estrangeiros às despesas da casa.

"Quando ela conversou conosco e nos conheceu um pouco mais, ela não quis cobrar o aluguel. Porque ela sabia que estava difícil conseguir um emprego, e ela queria ajudar. Ela é como se fosse uma mãe para a gente aqui, temos qualquer problema e ela logo corre para nos dar assistência", conta Patrícia.

A expectativa inicial era de que, em no máximo três meses, eles conseguissem encontrar um emprego e pudessem assumir definitivamente as contas. Muitos currículos foram entregues. Patrícia chegou a fazer entrevistas, mas não foi contratada.

Uma das soluções foi vender bolos, café e leite pelas ruas de Salvador. Com a chegada da pandemia e o consequente fechamento do comércio, a partir de março, a situação piorou. Foi neste momento que a rede de apoio iniciada por dona Cica cresceu, ganhando novos adeptos.

Tocada pela penúria enfrentada pelos cubanos, a vizinha Luísa Caetano organizou uma vaquinha na internet para arrecadar dinheiro para a família. Eles conseguiram juntar R$ 3,5 mil, que seriam usados inicialmente para bancar a vinda de Maria Fernanda e o reencontro da família. Mas eles descobriram que teriam de aguardar o final do processo burocrático do Conare.

"Então, decidi que a melhor opção seria usar o dinheiro para profissionalizá-los de alguma forma", relata Luísa. "E o que mais estamos consumindo em meio a essa pandemia é comida. Entrei em contato com uma famosa dona de uma escola de gastronomia aqui em Salvador, contei a história deles e ela se prontificou a ajudar Patrícia."

O pão delícia baiano, com toque cubano

Embora o acarajé, vatapá e moqueca sejam as iguarias mais conhecidas de Salvador e do Recôncavo Baiano, o legítimo soteropolitano sabe que um dos quitutes mais consumidos em aniversários, batizados e cerimônias festivas é o pão delícia.

O pãozinho, geralmente recheado com queijo ou patê, foi criado em Salvador pela cozinheira Elíbia Portela, em 1970 (embora nunca tenha patenteado a criação). Na culinária cubana, segundo Patrícia, não há nada que se aproxime do pãozinho delícia.

"Eu já cozinhava. Mas pão, não. Muito menos um pão baiano. Mas depois da aula, eu cheguei em casa com a receita e os ingredientes e falei para Luísa, hoje é o dia, vou fazer uma tentativa. Não sei se foi coisa de Deus, mas deu certo", conta.

Deu tão certo que Luísa criou uma página no Instagram, chamada Patrípan - Pãozinho Delícia. Eles começaram a vender o produto por meio das redes sociais, contando com serviço de entrega. Poucos dias depois, as encomendas começaram a chegar de todos os lugares de Salvador. Para dar conta das entregas, eles estão tendo que trabalhar durante todo o dia e até à noite.

Durante a entrevista por chamada de vídeo para a BBC News Brasil, Patrícia contou que já tinha feito 130 pãezinhos e teve até que recusar pedidos, porque, por enquanto, não tinham estrutura suficiente para dar conta da crescente demanda — eles têm apenas um fogão, doado por uma pastoral.

Pastoral e procura por emprego

Com a ajuda de dona Cica, Fernando e Patrícia conheceram o padre Manoel Filho, que coordena a Pastoral do Migrante, da Paróquia Ascensão do Senhor. O projeto acolhe os refugiados que chegam até Salvador, além de fazer encaminhamentos para diversos serviços, como a busca por advogados, médicos e por emprego. Eles já receberam pessoas de Cuba, Venezuela, Haiti e Senegal. Atualmente, o projeto ajuda cerca de 60 pessoas.

Reprodução/Internet

O casal cubano começou a receber ajuda, e por um grupo de WhatsApp do próprio projeto, souberam que a paróquia estava doando um fogão. Patrícia manifestou interesse e pode levar para casa o eletrodoméstico, que hoje está ajudando a garantir a renda da família.

Com a venda dos pãezinhos, os cubanos estão melhorando as condições de vida. Fernando continua procurando um emprego, e não apenas na área em que é formado. O objetivo é ficar em Salvador, conseguir pagar o aluguel, as contas e juntar dinheiro. Voltar para Cuba não faz mais parte do horizonte.

"Eu sei que eu tenho que ficar aqui, mesmo ainda não tendo emprego fixo. Tenho esperança de que em algum momento algo aconteça. Aqui se tem liberdade, você pode viajar, passear, isso não tem preço. Em Cuba você é uma pessoa presa, e a liberdade é o mais importante que uma pessoa pode ter. E é uma coisa que lá ninguém tem", conta Patrícia.


Fonte: BBC News Brasil
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