Medicamento do 'Kit-Covid' é receitado em Salvador, contrariando posicionamento da Associação Médica Brasileira

O 'Kit- Covid' é comprovadamente ineficaz contra a Covid-19. É o que apontam diversos estudos sobre o tema. No entanto, medicamentos são receitados em Salvador, contrariando o posicionamento da Associação Médica Brasileira (AMB). De acordo com relatos dos especialistas, remédios podem causar reações adversas e em alguns casos, óbito.

Uma advogada de 25 anos que preferiu não se identificar, contraiu o vírus em janeiro deste ano. Ela apresentou quadros de pneumonia, dor no peito, nas costas e falta de ar. No dia 25, recebeu o resultado que atestava positivo para a Covid-19. Na manhã seguinte, foi ao Hospital Cárdio Pulmonar em busca de tratamento. Recebeu a guia que indicava o uso de Meticorten e Zitromax (Azitromicina) por 5 dias. Ela foi informada de que os remédios ajudariam nos sintomas. Mas as dores e os desconfortos persistiram.

"Como tive pneumonia, eu sentia muita dor nas costas por conta dos pulmões. Me disseram que a azitromicina ajudaria. Mas eu não vi melhoras. E que o meticorten ajudaria com a tosse seca. Mas não achei que adiantou de nada. Mesmo porque depois dos cinco dias tomando remédio, eu continuei sentindo as coisas que me incomodavam. Só passou com tempo, muita água e repouso."

Hidroxicloroquina, Ivermectina e Azitromicina ganharam notoriedade no início da pandemia, quando pouco se sabia sobre a eficácia e os possíveis efeitos colaterais no organismo dos pacientes. O presidente Jair Bolsonaro incentivou por diversas vezes a utilização dos remédios, os chamando de 'tratamento precoce'. Além disso, afirmou que se tratou com os medicamentos quanto se infectou com o vírus. A procura foi tamanha, que chegou a sumir das prateleiras. Números do Conselho Federal de Farmácia (CFF) mostram que o total de unidades vendidas de Ivermectina, por exemplo, subiu 557% em 2020 em comparação com 2019. O remédio é indicado para o tratamento de sarna e piolho. Seu uso contra o coronavírus foi desaconselhado pela Agência Europeia de Medicamentos (EMA) e pelo próprio fabricante.

Desde então, diversas pesquisas, de autores de várias nacionalidades, atestaram que os medicamentos cloroquina e a hidroxicloroquina não apresentam qualquer indício de melhora nos infectados. Seja em casos leves, moderados ou graves. Além disso, cientistas afirmam que o uso do remédio deve ser abandonado para tratar a Covid, por causar, entre outros problemas, hepatite e complicações no sistema cardiovascular. O primeiro estudo nacional sobre o tema confirma a ocorrência de ao menos 631 reações adversas a medicamentos em 402 indivíduos com a infecção; 60% dos sintomas estão associados a cloroquina.

A azitromicina é um tipo de antibiótico que também já demonstrou não ter benefícios em estudos. Ela foi associada a 10% das ocorrências em pacientes. Sobre a substância, o médico Victor Roseira, de 29 anos, que atua na linha de frente contra o coronavírus em Salvador, afirma:

"A Azitromicina não é para tratar o Covid. Só se usa enquanto o paciente é suspeito. O medicamento é para tratar outras doenças que se apresentam de forma semelhante ao Covid. A partir do momento em que sai o resultado do exame comprovando o resultado positivo, a medicação deve ser suspensa. No entanto, se houver suspeita de infecções oportunistas, o tratamento pode ser finalizado com a azitromicina."

Em nota, a Secretaria de Saúde da Bahia (SESAB) afirmou que "Não há pesquisas que comprovem qualquer eficácia dos medicamentos citados no chamado 'kit-covid'. A própria fabricante da Ivermectina, a Merck, emitiu este ano um comunicado dizendo que não havia segurança e eficácia."

No entanto, os medicamentos que fazem parte do 'tratamento precoce' estão descritos no website da pasta como parte da Relação Nacional de Medicamentos Essenciais (Rename). Questionada sobre o caso, a secretaria não respondeu.

O Centro de Operações de Emergência em Saúde da Bahia (Coes) emitiu nota técnica nesta semana, recomendando a suspensão do uso dos medicamentos cloroquina, hidroxicloroquina, nitazoxanida e ivermectina para pacientes com quadro confirmado de Covid-19.